Aviso de gatilho: esse texto contém pequenos relatos de abuso e outros preconceitos e situações sociais que podem deixar vocês desconfortáveis.



Acho que agora é a minha vez de usar essa parte do fórum, não lembro de ter usado ela antes. Bem, vamos lá:


Cresci e vivi muito antes de me descobrir trans ou assexual como alguém que sempre foi uma pessoa sozinha e isolada, embora muito quisesse ser popular e que tivesse muitos amigos. De muitas formas, nunca pude ter tantos amigos porque sempre fui aquela pessoa triste e sozinha com gostos estranhos e, claro, obcecada com o que gostava como uma forma de escapismo de um mundo que não sorria pra mim.

Dito isso, fiz e me adaptei sempre ao que não gostava, em linhas gerais, em me violei socialmente pra tentar gostar do que todo o resto gostava, e de certa forma eu me dei bem, passei a ficar mais conhecida, embora superficialmente. Sentia um peso enorme nas minhas costas quando, por ventura, havia achado essa comunidade, comecei a participar dela e ao ponto de me tornar ADM dela, foram tempos loucos de descobertas, conheci pessoalmente muita gente daqui. Embora conforme me assumia como assexual para a sociedade eu notasse algumas farpas dos amigos da época, dizendo além de explicitamente que não era de fato uma opressão a ser considerada, que eu "deveria cortar pra algum lado", claro, eu me apaixonava pelas pessoas, mas queria estar essencialmente perto, queria poder andar de mãos dadas e fazer coisas que considero românticas, coisas que às vezes me envergonho de querer porque parecem tão bobas, tão inocentes e sei lá, coisas que nem adolescentes hoje fazem, mas que "no meu tempo" até podia ser plausível, pelo menos pra mim faz sentido até hoje, de certa forma.

Em retrospecto nos poucos relacionamentos que tive, inclusive minha primeira vez, eu fico pensando se todos esses momentos valeram a pena, nada dos meus envolvimentos me tornam menos assexual, mas me fazem ter mais certeza do que eu sou, mas me pergunto se vale realmente a pena saber. Parece que quanto mais escavo em mim mesma, mas eu noto minha miséria de ficar só, porque não importa o quanto talvez eu realmente seja interessante sempre vou ser sozinha. Minhas percepções me traem. Não importa a riqueza que tenho, intelectual, social ou financeira. Nada se compara ao amor, ao amor que se tem e dá, e ao amor que recebe, em todas suas formas.

Mas eu me dou conta, que preciso de amor romântico, eu preciso de carinho e isso eu não tenho a muito tempo ou não da forma que eu ache que mereça, eu noto que as relações são podres e fadadas ao fracasso pelo sistema capitalista em que vivemos que nos impede de dar real importância ao que nos faz bem, porque estamos ocupados com trabalho, com um estudo que não nos humaniza mas nos transforma em máquinas só pra garantir um sustento que às vezes nem é o bastante, dentro de valores de que nem todos compartilham que é a judaico-cristandade. Eu fico triste quando me dou conta da impotência que eu tenho por não fazer nada por quem eu amo quando sofre mesmo tendo clara consciência de que realmente nada posso fazer.

Se já somos isolados normalmente e se socialmente sofremos e somos oprimidos, o que esperar na quarentena quando as pessoas podem presumir que não temos certas necessidades e especificidades, como se não ter atração em um mundo onde isso é a norma não causa problemas na nossa saúde mental ou mesmo nos trás prejuízos sociais em alguns meios? foi muito constrangedor vários momentos durante partes da minha vida para justamente tentar me encaixar nisso, e já dou spoilers: de nada adiante, e talvez só faz piorar e passar por situações que podem ser traumáticas. Eu lembro quando criança e me era incentivado a ir em prostíbulo para ser "homem de verdade", ou quando mesmo na transição anos atrás, e mesmo agora, que fiz preciso fazer "coisas de mulher" pra ser considerada como uma pela sociedade inteira, e isso que não me considero não binária, nestes termos. Eu tenho minha expressão de gênero e ela não é demérito para o gênero que exerço não só como verbo, mas como substância também. Percebem como tudo, sexualidade, gênero, quarentena, sociedade e capitalismo, está tudo conectado e que isso faz com que as coisas fiquem piores do que já estavam antes? que vivemos em um mundo falido onde nunca podemos ser nós mesmos em nossa totalidade por causa dessas questões?

Já me relacionei com pessoas assexuais, e já antecipo, não é um mar de rosas como podem pensar, me relacionei com pessoas que, como eu, estão na área cinza, e pode até ter sido bom no início, mas depois pode ser complicado não pela sexualidade, mas por questões de constituição psíquica, personalidade, como quiserem chamar. Eu digo que nada vai mudar positivamente quando as coisas materiais ainda foram do jeito que são, eu tenho certeza que não tomaria os remédios que tomo e precisaria da terapia que tenho se não fosse o mundo do jeito que é, mais do que mera crueldade humana. Mas o que foi consolidado desde muito tempo, quando essa quarentena acabar, o mundo não pode voltar ao normal de antes, mas ser algo novo. Como resultado, nossas relações vão ser melhores, talvez nem precisaríamos mais nos definir de alguma forma, ou nossa auto percepção pudesse ser diferente. Talvez alguns nem gostariam de se definir como assexuais, tal qual allossexuais veriam que não é bem assim o modo como vivem e que podem tá sei lá, fazendo o que fazem mais por uma imposição do que uma coisa que realmente buscam.

Entendem o que quero dizer? me sinto duplamente presa, presa por uma sociedade que não está evoluindo tanto quanto deveria, presa por essa quarentena que é necessária, como consequência dela mesma.

Bem, peço licença para fazer uns comentários talvez bastante aleatórios.

Primeiro, o que eu fico na minha cabeça é que não importa se é relacionamento assexual, sexual ou da área cinza. As pessoas são difíceis e qualquer relacionamento vai ser difícil. No fim das contas, acho que é sempre você pensar o que você está disposto ou não a relevar.

Eu costumo dizer q a vida, ou o mundo, é igual a um verso da música de Eduardo e Mônica: uma festa estranha cheia de gente esquisita.
Mas brincadeiras a parte, eu tenho uma tendência a ser muito pessimista, então prefiro guardar minhas impressões mais profundas pra mim mesma.

Mas tem uma citação de E.E. Cummings q eu gosto bastante e foi minha "frase de cabeceira", digamos assim, por um bom período da minha vida: "Não ser ninguém exceto você mesmo em um mundo que está se esforçando, dia e noite, para torná-lo igual a todo mundo, significa lutar a batalha mais difícil que qualquer ser humano pode lutar - e nunca para de lutar"

Espero que você fique bem e encontre coisas, mesmo no isolamento e na quarentena, para lhe dar tranquilidade. E, como disse um amigo meu um dia desses, no fim das contas, só podemos cuidar das nossas atitudes e nada mais. O resto fica por conta do universo.

Eu já me encontrei bastante, mas às vezes parece um jogo de gato e rato comigo mesma.
Quando me aceito já sou outra e vem tudo de novo.



E vida que segue.
A vida é uma eterna luta até o fim dela.

Eu venho de outra vivência, mas entendo esses sentimentos.
Eu sinto que é muito difícil alguém entender o modo de amar assexual (e eu sou estrita, então nossa...) e por mais que respeitem (em alguns casos) como alguém poderia lidar com ele a ponto de recebê-lo e retribuí-lo? As pessoas não estão acostumadas com relacionamentos não-sexuais. Nós não temos um manual como os héteros ou alos, enfim, o normativo. E enquanto a outra pessoa não consegue, eu também não consigo. Sempre fico com um pé atrás , achando que nunca serei realmente correspondida e que mesmo que sintam algo por mim, vão de alguma forma inferiorizá-lo por não ter sexo ou beijos. Eu sei que tudo isso envolve minha baixa autoestima, mas estou consciente do mundo em que vivo e é meio deprimente. Por que é diferente do sentimento : "eu tento e pode dar certo, mesmo depois de muitas tentativas". É como se não pudesse sequer haver a tentativa! Não existe a escolha... E nessa inexistência mora uma tristeza chata que vem e volta.
Eu me sinto meio ridícula também com me satisfazer apenas com abraços e olhares e brincadeiras, coisas mais românticas, porque sexo é tido como algo restrito à maturidade. E o tempo todo, vejo estampado mesmo que não explicitamente, que sexo é o exemplo máximo de  intimidade. Diante disso me sinto muito mal por não poder nunca me conectar assim com alguém...
Já ouvi coisas como "Você tem que ser você" e tento isso, mas é muito difícil quando em cada entrelinha do resto do mundo você não se encontra!
Eu tenho lidado com pessoas incríveis e mesmo assim me pergunto se as minhas relações com elas são realmente válidas. Seria eu o step? Seria eu a "amiga íntima"? Eles tem me dito e mostrado que não, mesmo assim eu não acredito muito. Então tenho vivido sem pensar muito ou classificar as relações que vivo (ou acho que vivo).
Sexo parece que é o lastro do amor romântico. Se não tem ele, não tem valor.
Meu maior dilema no momento é querer aprender a beijar, só para poder ficar com as pessoas que interesso e ter um ínfimo contato. Eu apesar de todos esses pensamentos, nunca tive coragem de interpretar um papel imposto pela sociedade, e fico nesse eterno dilema do fazer ou não fazer. Sei que não vale a pena, mas fazer o quê...

Achei interessante você mesclar capitalismo nisso tudo, e pra mim faz todo sentido. Nessa quarentena parece que alguns pensamentos clareiam ,né? Eu espero de verdade que depois disso tudo tenhamos mais liberdade e abertura pros nossos modos de ser. De verdade... embora eu seja um pouco pessimista às vezes.

Dominic, eu entendo completamente os pontos e questionamentos que você colocou. Me vi muito mesmo no seu depoimento!

Tarsila escreveu:

Dominic, eu entendo completamente os pontos e questionamentos que você colocou. Me vi muito mesmo no seu depoimento!

É bom saber que não tenho esses sentimentos sozinha, embora não quisesse que sentíssemos isso...