Quando descobrimos essa coisa estranha chamada "assexualidade" ficamos espantados e muitas vezes felizes por encontrar algo com que nos identificamos. Contudo quase todos caem numa armadilha, ao invés de explorar esse novo mundo - que ironicamente somos nós mesmos! -, ficamos tentando nos enquadrar nele, ver se "realmente" somos assexuais, ou simplesmente tentando entender o que é ser "assexual de verdade".

Nesses anos que tenho administrado esse projeto, tenho visto, sem nada poder fazer, inúmeras pessoas devagando por essas terras inóspitas para pouco tempo depois se perderem.

Fico muito triste... porque meu trabalho, e de tantos outros, é o de cuidar de uma árvore que possa dar frutos. Mas não é isso que acontece. Muitos podem olhar para o fórum hoje, e outros canais, e achar que há um número relevante de pessoas envolvido aqui. Mas esse número não representa nem uma fração insignificante do total de pessoas que já se "descobriram" e se "perderam".

A assexualidade nos parece ser uma daquelas coisas que não são materializáveis. Ela se caracteriza pela falta, pelo não ser. Não é algo que se faz, e, no fundo, nem mesmo é algo que se deixa de fazer. Não é como a homossexualidade que se expressa através do desejo e do ato sexual, não é como a transssexualidade que se expressa através do desejo/insatisfação e da trans-formação física/estética. Não é como uma luta política, uma disputa por direitos e poderes, porque a nós nada nos foi retirado e nenhum espaço foi vetado.

Isso é, a princípio não falamos sobre mudanças externas que devemos aplicar a nós mesmos, nem falamos sobre revoluções, nem falamos sobre direitos de fazer coisas. (E se você lendo isso acha que estou errado, imagine que para qualquer coisa que podemos identificar como comportamento assexual há sua alternativa "normal", ou mesmo patológica. Se falamos de falta de atração sexual eles falam de libido e impotência.)

Ora, então a assexualidade simplesmente não existe e estamos fazendo um trabalho de tolo???

É evidente que não. A assexualidade não existe em si mesma, porque ela não é algo real, ela não é a denominação de algo concreto. Ela é a projeção de certas possibilidades nas vivências sexuais, relacionais e afetivas que não possuem corpo, sentido, forma na nossa sociedade. São experiências que nossa cultura simplesmente não reconhece como possíveis, ou reconhece como corpos nocivos a sua integridade e por isso as condece um não-espaço.

A assexualidade só nasce e ganha sentido no terreno da subjetividade. No universo interno de sentimentos, saberes e sentidos. Não há nada que você possa fazer para ser assexual! Deixe de ficar com garotas e você será chamado de enchalhado. Deixe de fazer sexo e será chamada de frígida. Mantenha-se virgem e será chamado de... bem... você deve saber os nomes.

Mas veja, que maravilha! Se esses sentimentos "diferentes" que existem dentro de você te causam tanto medo, e a discriminação alheia te apavora, não se preocupe! Já que, por isso mesmo, você nunca será necessariamente identificado como assexual! Se você nunca vier a tocar nesse assunto poderá simplesmente fazer coisas pelas quais as pessoas te considerarão "normal", ou não as realizando você poderá ser coaçoado de nomes já conhecidos, ou seja, um constrangimento que lhe é familiar. E em último caso você poderá mentir, que é a alternativa preferida por quase todo mundo.

Falar sobre assexualidade é falar sobre si mesmo! Não há aqui qualquer guia, qualquer manual, porque nossa viagem não é para fora, mas sim para dentro. É sobre VOCÊ. Quem entra nessa viagem - proporcionada pelos espaços de diálogo - não está indo ao encontro da assexualidade. E é aqui que muitos se enganam e se perdem. Você nunca encontrará nesse site e em tantos outros um guia para ser assexual, ou qualquer forma de guia, manual, instruções, plano, etapas, regras ou qualquer coisa do gênero para a assexualidade. Nós não acreditamos nisso! ACREDITAMOS EM PESSOAS. E ao falar de pessoas estamos falando do improvável, do indefinível, do mutável e do contraditório!

Gostei do texto Julio!!

Congratulações Júlio!!!

Parabenizo o senhor pelo texto lúcido, envolvente e profundo.

Ao adotar sábias palavras, o senhor sintetizou com uma clareza impressionante, o vultoso grau de subjetividade do que é ser um "sujeito assexual", em meio a uma sociedade preconceituosa e intolerante com o desconhecido e o "estranho".

Continue nesse rumo, e afirmo com absoluta convicção que o senhor irá galgar um caminho brilhante.

Excelente texto. Parabéns.

Também gostei!

A assexualidade é algo tão fluido e subjetivo que encontraremos dezenas de formas de ser ace aqui! Uns são bi, homo, hetero, outros nem direcionam sua "assexualidade afetiva" a ninguem...outros gostam de beijo, abraço, são sociáveis, enquanto outros nem tanto. Além, é claro, das diferentes personalidades e temperamentos que pontuam a vida de qualquer pessoa...

A assexualidade é um modo de ser, de agir e de sentir, que assim como você explicou Júlio,, só faz sentido em nós mesmos...

Lara escreveu:

A assexualidade é um modo de ser, de agir e de sentir, que assim como você explicou Júlio,, só faz sentido em nós mesmos...

Disse tudo, Lara.

Júlio, excelente texto e descreve o que eu também percebo.

Muito interessante. Obrigada por nos conduzir a esta reflexão.

Concordo com você Lara e discordo do Júlio quando diz que homo ou trans afirma sua orientação através do desejo e do ato sexual. Creio que além do desejo há também outras necessidades e incongruências. Em matéria de sexualidade, nós, somos infinitamente variáveis e prolifícos.

gostei... compartilhei seu post no face espero que não se importe.

Gostei. Não ficou claro para mim, no entanto, se você considera que pessoas que fazem sexo mesmo sem sentir atração ou gostar do ato, deixem de ser assexuais.

Gostei do texto também!! Muito bem esclarecido.

é relamente uma busca por coisas que não podem ser encontradas,e se encontradas não faram sentido..(filosofei demais)
ótimo texto júlio.parabens!

Grande Júlio! Que saudades das suas exposições, do seu ponto de vista, da sua abordagem marxista do fenômeno! Estive longe da civilização (e de sua cria maldita, esta tal de internet) por mais de dois anos, mas agora que voltei a passeio aproveito a oportunidade para ver como vai a luta. Percebi um tom de desamparo nesta sua última mensagem, mas deixo aqui os meus sinceros votos de que você, após reformular as estratégias diante dos resultados já obtidos, retorne com força total a esta ação política* cujas glórias do pioneirismo e da coragem de iniciativa pertencem a você de todo direito. Parabéns pelo enorme e evidente sucesso, mesmo que você esteja considerando que tenha sido insuficiente devido a tantos terem, segundo você, se perdido no caminho.
Abraços assexuais e saudações assexualistas!

* luta política, sim, mesmo que você não concorde, hehe...

Ótima reflexão! Não sei porque mas me lembrou o que a Elemento Neutro falou em outro tópico:

"Isso só prova uma coisa: é que estamos arrumando relacionamentos sempre pra provar q somos alguma coisa e geralmente não pra nós, mas pra outras pessoas."

Por esses dias fiquei pensando sobre isso... De esconder das pessoas o que eu realmente sou porque sei que elas terão preconceito e falarão que isso não existe ou infinitas outras coisas. Mas logo após refleti que estou quase pronta para abrir o jogo. Cheguei a conclusão que esse tipo de sinceridade é uma defesa dos nossos próprios direitos. Devemos ser felizes com o que somos sem nos importar com opiniões alheias a nosso respeito. E se preconceitos e desmotivações dos demais existem, pelo menos teremos a certeza que fizemos algo por nós mesmos. Talvez outras pessoas (da família) fiquem abismados, chateados e querendo mudar nossos pontos de vista, mas assim, estaremos mostrando a estas, que não tem conhecimento algum sobre o assunto, que hajam com respeito. Que conheçam e reconheçam que no mundo há diferenças e que essas diferenças não estão fazendo mal a ninguém.

Acho que me enrolei e misturei um pouco os assuntos, mas tudo bem! :farao:

Apesar da tristeza em suas palavras o texto foi muito bem desenvolvido, e nos dá muito em que refletir. Este assunto é realmente complexo, e acredito que o apoio que encontramos nos membros do fórum, seus relatos, conhecimentos científicos, e palavras de incentivo, nos ajudam a buscar o real significado do que sentimos dentro de nós mesmos.

Parabéns e mais do que tudo muito obrigada!