Dúvidas geram ansiedade. O fim.

Passei a minha infância toda me sentindo diferente, sem saber exatamente o significado desta diferença, apenas me sentia assim, deslocado, diferente, estranho, o motivo? Hoje em dia eu sei, eu não vivencio atração sexual e, por isso, não conseguia entender quando meus amigos apontavam para as meninas e falavam maliciosamente. Diferente do que imaginei, nem pelos garotos eu me interessava, mas isso eu explico melhor mais adiante.
Durante a minha adolescência, onde eu via fortemente os meus amigos e amigas, crescendo e se sentindo sexualmente interessados pelos outros, eu ia ficando de lado, isolado, me questionando o como alguém poderia gostar "dessa forma" (sexualizada) de alguém, na medida em que eu não me interessava em ficar com ninguém, as pessoas iam exigindo isso de minha pessoa. Pra me encaixar, eu deveria me igualar, beijar os outros mesmo sem sentido (interno) algum.
Perdi o meu, até então chamado "boca virgem" com uma garota e, eu particularmente não senti nada, por medo (de ser taxado como homossexual), acabei ficando mais vezes com ela e, ainda na esperança de em algum momento sentir alguma coisa. Fracassei e no meio do caminho, não machuquei a ela, machuquei a eu mesmo por me forçar a algo tão antinatural.
Pouco depois, acabei até namorando uma garota e, como já deve ter imaginado, por pressão alheia, eu queria me encaixar, eu queria a sensação de pertencimento e acolhimento. Na medida em que eu recebia carinho, eu sentia que gostava dela mas, mesmo assim eu sentia que não gostava, já que nunca tive intenções sexuais, de transar ou coisas assim. Até me sentia desconfortável quando me deparava com situações em que uma pessoa normalmente se sente excitada - como quando ela sentava no meu colo, eu não me sentia excitado, eu não me sentia nada além de estranho e de certa forma um mentiroso, por simultaneamente querer me excitar naqueles momentos mas, ainda sim, não querer (talvez aqui, eu já tenha tido um vislumbre de consciência de que isso é uma característica MINHA, não anormal e nem errada).
No final de contas, eu gostava desta garota, eu até não me importava de a beijar, gostava de ficar abraçado junto com ela, até mesmo de trocar uns amassos mais "quentes" (na medida em que estou supondo uma temperatura, digo baseado no que eu acho). Eu realmente não me importava de passar o dia deitado na cama, ao lado dela, até o momento em que fui sendo sobrecarregado, quer por ela, pelos outros e por eu mesmo, eu deveria transar com ela, era a ordem "natural" das coisas (observe com atenção que, o natural está em aspas pois já me desconstruí deste falso estigma que tinha sobre a ordem de acontecimentos em um possível relacionamento). Nosso relacionamento acabou.
Percebi o como me sentia, que embora eu gostasse dela, como pessoa, como amiga, como namorada, não gostava "o suficiente" para transamos (novamente, entre aspas pois já me desconstruí desta história de quantidades em amor, requisitos para o sexo, etc). Após ela, comecei a pensar que eu era homossexual, pois não faria sentido para a minha pessoa, que não pudesse me excitar e me sentir sexualmente atraído por ela. Então beijei um amigo durante uma festa e, bem, a mesma coisa de todos os beijos em minha vida, um enorme vazio e uma sensação de beijar a minha mão dormente e formigando, não é como se eu não sentisse nada, eu realmente não sentia nada (por isso comparei a beijar a própria mão).
Depois deste beijo, conheci um garoto legal e, começamos a namorar. Seria estranho falar que, a ordem dos fatos acaba por sendo a mesma do meu relacionamento já citado (com a menina)? Gostei dele, gostava de ficar deitado na mesma cama que ele, de passar o tempo juntos, andando feito idiotas, por toda a cidade; enfim, eu sentia internamente que gostava dele, e muito, mas novamente foi a mesma história, eu sentia que não gostava o "suficiente" para aprofundar para uma relação sexual (novamente, suficiente entre aspas, pelo mesmo motivo de antes), embora eu gostasse de falar sobre sexo, ficcionar sobre, eu nunca senti de forma verídica, uma atração sexual por alguém, de modo que pensasse em transar.
A minha história é essa, novamente, mesmo gostando deste garoto, de o beijar, de o abraçar, andar de mãos dadas, dormir junto, tudo, apesar de tudo, eu não queria transar com ele (eu até tentei me forçar a querer transar com ele, mas eu realmente não podia mais fazer isso comigo, já tinha me forçado a tantas situações que prometi nunca mais se repetir). Nosso relacionamento acabou e, eu não sabia como reagir.
Desisti da ideia de ser heterossexual, na medida em que me separei da menina citada acima; desisti da ideia de ser homossexual, na mesma ocasião, quando me separei deste garoto; passei a me ver como bissexual (na medida em que eram os termos que eu tinha disponível para me encaixar), já que eu gostava de certa forma, dos dois gêneros, eu só não queria transar com nenhum. Passei a me ver secretamente desta forma durante um tempo, "eu sou bissexual..." (Com um pesar de dúvida, se eu realmente me enquadrava e me sentia desta forma), depois, com o tempo, acabei entrando em contato com a definição de Assexualidade, o que ia muito além do que eu achava ser o significado de ser Assexual (achava que era uma pessoa que não sentia nada com nada por ninguém, que não amava, que não beijava, que não transava, que não fazia nada). Neste dia em que conheci o termo, passei horas pesquisando sobre, abrindo minha mente e me desconstruindo perante a temática, me aprofundando sobre as diversas divisões dentro do próprio termo, sobre a própria individualidade de cada indivíduo e, que eu, somente eu, poderia dizer se eu sou Assexual. Já era de manhã, o Sol já tinha raiado quando eu, finalmente, após anos sentindo o peso de interrogações em minha cabeça, me aceitei como Assexual e, fiz de interrogações, pontos finais.

Gostei de ler seu depoimento, seja bem-vindo!
Mostra uma sequência pela qual muitas das pessoas que se identificam com a assexualidade passam.

Thomas Chatterton escreveu:

Passei a minha infância toda me sentindo diferente, sem saber exatamente o significado desta diferença, apenas me sentia assim, deslocado, diferente, estranho, o motivo? Hoje em dia eu sei, eu não vivencio atração sexual e, por isso, não conseguia entender quando meus amigos apontavam para as meninas e falavam maliciosamente.

Sempre fico surpreso com essa questão de a sexualidade afetar crianças. Ou não percebia ou não me lembro de ver as outras crianças tão ligadas à questões sexuais. Eu só fui ter o choque de ver meus amigos mudando o interesse na adolescência.

Obrigado pessoal pelo apoio e por, pelo menos, se derem o trabalho de tirar um tempo de seu dia e, ler meu relato.

Nossa Todd, muito obrigado, muito obrigado ^^
As vezes me dá dessas, aspirante a escritor...
Eu gosto de escrever, quando sei sobre, então falar de eu mesmo acaba sendo libertador e prático.

Me identifiquei em muitos pontos, eu até mesmo cheguei a ter um relacionamento evangélico para tentar fugir disso, só que quando chegou nesse ponto como em qualquer outro relacionamento, relacionamento acabou novamente

Enviado pelo Topic'it

Yar, enquanto estamos nos descobrindo e percebendo a nossa própria diferença com os demais, inconscientemente vamos tentando nos enciaxar e, nos "jogamos" em situações assim...

Mas como já disse em um tópico que você criou, que tu reconheça que somos todos diferentes, mesmo com o mesmo rótulo Assexual, existe muita subjetividade dentro da própria Assexualidade e de cada indivíduo

Abraço, bom dia.

Thomas Chatterton escreveu:

Yar, enquanto estamos nos descobrindo e percebendo a nossa própria diferença com os demais, inconscientemente vamos tentando nos enciaxar e, nos "jogamos" em situações assim...

Mas como já disse em um tópico que você criou, que tu reconheça que somos todos diferentes, mesmo com o mesmo rótulo Assexual, existe muita subjetividade dentro da própria Assexualidade e de cada indivíduo

Abraço, bom dia.

Sim com certeza, te mandei um MP para conversarmos melhor

Enviado pelo Topic'it

toddchavez escreveu:

Sam escreveu:

Sempre fico surpreso com essa questão de a sexualidade afetar crianças. Ou não percebia ou não me lembro de ver as outras crianças tão ligadas à questões sexuais. Eu só fui ter o choque de ver meus amigos mudando o interesse na adolescência.

Também só vim perceber que passei incólume durante minha infância (e até adolescência) nesses assuntos muito depois. Sexo é um tabu e toda aquela aura do proibido é que chamava a minha atenção, mas nada além disso

Entendo.
Na infância eu não sei bem o que eu pensava. Na adolescência o assunto estava em toda parte, mas eu não tinha nenhum interesse e nem gostava que tocassem no assunto perto de mim. No início da fase adulta eu descobri o interesse romântico e me forcei a pensar em sexo. Hoje talvez eu tenha alcançado um equilíbrio.

Que visão magnífica de vida, Sam...
Sexo era norma, era como eu sentia o mundo

Bem-vindo!
Me reconheço na sua história.

Boa noite Ace Ventura, sempre acabo lendo seus comentários e me identifico com grandes partes.
Agradeço o comentário.

Thomas Chatterton escreveu:

Que visão magnífica de vida, Sam...
Sexo era norma, era como eu sentia o mundo

Legal você ter se identificado

Thomas Chatterton escreveu:

Boa noite Ace Ventura, sempre acabo lendo seus comentários e me identifico com grandes partes.
Agradeço o comentário.

Disponha. Se quiser trocar alguma ideia sobre alguma coisa, é só mandar uma MP.

Que generosidade em compartilhar isso aqui. Obrigada, Thomas.

Acho que essa é a trilha que muitos assexuais acabam trilhando até chegar na assexualidade, já que não tem espaço na sociedade pra tentar entender e explicar o que é a sexualidade humana como também a "falta" dela. E é triste que até que você mesmo se reconheça como tal, por correr atraz de se entender, ainda vai sofrer com a pressão das pessoas à volta. Tentar atender a essas expectativas é pesado e frustrante. Alem de que tenho quase certexa que a longo prazo pode acabar com a saúde mental de alguem. To realmente feliz que você tenha se dado essa oportunidade pra se conhecer melhor, se desprender do que é a "ordem natural" das coisas e buscar a sua propria naturalidade. Descobrir que isso tem um nome e que não nescessariamente é algo ruim, tras paz e descanso pra essa jornada que eu vi que tanta gente passa. E saber que não estamos sozinhos tira um grande peso das costas. Te desejo felicidades, que tu encontre alguem que te traga essa paz se é o que tu procura. E obrigada pelo seu depoimento

Estou adorando essa tendência que a Alpiste está criando, revivendo fóruns antigos e tentando trazer algum movimento para o fórum...
Realmente complicado pensar que queremos ser algo, nos encaixar em algo, tanto que antes mesmo de descobrir o que era a assexualidade, eu me joguei em vários "títulos/rótulos", pra tentar me encaixar, sentir o pertencimento... Mas nunca dei certo
Cada vez mais eu ia me sentindo distante, longe dos outros, como se fosse diferente demais para os entender e, diferente demais para ser compreendido, achei que estava quebrado, mas não estava
Tentei fazer exames de sangue, ver nível de vitaminas, verificar meus hormônios, tentei pensar em várias coisas para justificar.
Alguém do fórum estava comentando essa semana, sobre as teorias que criamos para nós mesmos, antes de conhecer a assexualidade. Continuando, fiz terapia e quando inseri o assunto da assexualidade, lembro do meu psicólogo da época me chamando de assexuado, mesmo corrigindo ele continuava chamando de assexuado, isso me entristecia num nível, pois aquele que era para ter uma empatia conosco, nem ele estava tendo
(Não preciso falar que troquei de terapeuta, óbvio que troquei)
Engraçado que ele me recomendava pesquisar sobre outras coisas além de assexualidade, que eu tentasse mais, tentasse sair e ter novas experiências (sexuais, pra se resumir o relato)

Enfim
Triste perceber que por muito tempo criamos historinhas para justificar o fato de nós nos sentirmos tão deslocados, diferentes... Que ninguém precise se sentir assim, não mais, não hoje.