Como definir um "não sentir"? Como descobrir algo em você que parece não existir, não ter nome, e muito menos explicação? Não sei especificar um momento da minha vida em que eu percebi ser diferente. Esta percepção foi surgindo aos poucos, mas de forma muito difusa, pouco clara.

No início da adolescência eu mudei de escola e, para me enturmar, tentei seguir o mesmo padrão de comportamento dos outros meninos, mas as coisas não eram mais como antes. Agir como eles era o mesmo que falar sobre garotas, como elas são legais e bonitas, e dar em cima delas. Eu até tentei agir como eles, mas aquilo era tão fora de naturalidade para mim, que eu conseguia perceber que estava forçando uma espécie de comportamento completamente incompatível com o que eu realmente era.

Apesar de começar a perceber que eu não era igual aos outros, eu não sabia dizer em que sentido se constituía esta minha diferença, afinal, eu ainda não sabia que era possível não sentir atração sexual e romântica. Por muito tempo eu me questionei sobre a possibilidade de ser homossexual ou bissexual, mas como nada disso fazia sentido, continuei me identificando como heterossexual por falta de opção. E, diferente da maior parte dos assexuais, além de não sentir atração sexual, eu também não sinto atração romântica. Mas como eu poderia saber que não poderia me apaixonar ou sentir atração sexual se eu não sabia que era possível não sentir estas duas coisas? Por isso, frequentemente pensava ser atração o fato de eu achar uma menina bonita, ou acreditava que uma amizade poderia ser, na verdade, uma paixão.

Entretanto, com 14 anos eu acreditei, pela primeira vez, estar verdadeiramente apaixonado por alguém. A garota era uma grande amiga minha, e, sem referências claras do que poderia ser o amor, eu pensei estar apaixonado. Sem sentir necessidade de tocá-la, beijá-la, admirá-la fisicamente, e pensar nela a todo momento, eu não entendia direito que espécie de amor eu sentia ou se realmente tinha atração física por ela. Depois de muito tempo guardando em segredo os meus "sentimentos", resolvi me declarar pensando que a partir disso jorraria em mim uma explosão de sentimentos, mas o efeito da declaração foi justamente o contrário, pois o ato me fez perceber que eu nunca a havia amado, e que eu amava, na verdade, o amor que eu pensava sentir por ela, pois este sentimento idealizado representou para mim a percepção de que eu poderia ser um homem "normal". Cheguei a conclusão de que eu só me sentiria atraído fisicamente por alguém quando eu me apaixonasse de verdade por uma pessoa, o que fazia de mim um heterossexual diferenciado. Bastava então, para mim, esperar pelo meu verdadeiro amor.

Depois de alguns anos, a ideia de que era um "heterossexual diferenciado" passou a não fazer mais sentido para mim e, por curiosidade, resolvi pesquisar por um termo que tinha conhecido há cerca de um ano na mídia - a assexualidade -, e, à partir desta pesquisa, eu finalmente pude deixar a angústia de lado e descobrir uma explicação para o que eu realmente era. Eu era assexual! Um assexual arromântico segundo as sub-classificações que li. Todavia, no momento eu apenas descobri um termo para substituir a "heterossexualidade diferenciada" anteriormente atribuída a mim por eu mesmo. Não me aprofundei no estudo do tema e fiquei satisfeito por algum tempo.

Em uma aula sobre sexualidade, um colega meu perguntou ao professor sobre a assexualidade, e a resposta dele foi que a assexualidade seria uma disfunção hormonal e orgânica. Refletindo sobre a aula, posteriormente tomei um susto. Eu ainda não tinha feito exames hormonais específicos, mas já sabia que fisicamente não havia nada de errado comigo. Se eu não possuía um problema físico, então eu não poderia ser assexual. Mas se eu também não era heterossexual ou homossexual, o que eu poderia ser? Passei a acreditar que era algum tipo de aberração da natureza e, com esta impressão, vivi os momentos mais angustiantes da minha vida. Eu voltava ao passado buscando algum trauma ou fato que me ajudasse a explicar qual era o meu problema, mas não havia nenhuma explicação lógica. Tinha alguma razão em continuar vivendo sendo uma aberração da natureza? Qual explicação eu poderia dar aos outros? E que explicação eu poderia dar a mim mesmo?

Depois de longos e angustiantes meses, resolvi me aprofundar mais no estudo da assexualidade, e foi um grande alívio perceber que a assexualidade não era uma patologia, não englobando disfunções físicas, psicológicas e hormonais. Eu era normal! E melhor, não estava sozinho, pois haviam outras pessoas como eu. Consegui recuperar minha estabilidade emocional, e hoje posso dizer que sou uma pessoa feliz.

Tenho 20 anos, nunca senti atração sexual e nunca me apaixonei. Nunca beijei ou transei, e isso nunca me fez falta. E, apesar da nossa cultura impôr o sexo e o amor romântico como condições necessárias à felicidade, eu me sinto satisfeito e contente com o que tenho e com o que eu sou.

Tenho uma história bem parecida com a sua, Felipe. Nunca entendi direito o que era amor e acabei tentando estabelecer relacionamentos com amigos meus, mas todas as tentativas foram verdadeiros fracassos. Já namorei por um tempo e, depois que acabei o namoro, nunca mais fiquei com ninguém... E estou feliz assim.

Felipe

Realmente existem muitas histórias parecidas com a sua, é uma pena que muitos profissionais que poderiam facilitar as nossas vidas desconhecem a assexualidade. Aumentando o nosso conflito interior.

Fico feliz em saber que se encontrou.

felipe,é um post muito bom. eu também continuo uma situação parecida:não sei se já me apaixonei ou não.mas sei que não é motivo para se preocupar.
também fico feliz em saber que vc se encontrou

Adorei o depoimento com certeza tem muitas histórias parecidas, lamentável profissionais não conhecerem sobre o assunto, nessas horas atrapalham as pessoas que estão se descobrindo. Vivemos numa sociedade em que as minorias sexuais são julgadas, não tem visibilidade, não acreditam na sua existência como da assexualidade. São muitos motivos de as pessoas não compreenderem a assexualidade, um deles é a falta de questionar, quantas pessoas se perguntam se todos nascem com desejo sexual, na cabeça da maioria todos tem atração sexual quem não tiver eles associam a um problema, o ser humano precisa aprender a conhecer, se você falar para alguém sobre assexualidade nós já sabemos a resposta do indivíduo... as pessoas tem que aprender a questionar, a conhecer.

Muito legal seu depoimento, Felipe. Você narrou um trecho muito comum comigo, as conversas de amigos (17 anos) giram basicamente sobre mulheres e tal... E eu ficava muito incomodado pelo fato de eu não ter basicamente nenhum interesse, tipo, "mas e o teletabbies, assistiram ontem?..." Há horas que vejo pressionado a dar palpite de quão gost.. é aquela menina, mas não tenho interesse algum... a visão que vejo que eles têm de mim, às vezes, é que sou homessexual, coisa que não me identifico. Só comento o que a pessoa é, isso é o que mais sempre me importou... Conhecer é questionar mesmo, Rosa.

Muito bacana sua história Felipe, parece realmente com a minha, algumas coisas nem sempre são fáceis de entender, mas é realmente importante compartilhar experiencias com pessoas que possam nos compreender

Ótimo depoimento Felipe!!!

Muito bom, e me identifiquei com vários pontos!

Algumas partes desse depoimento parecem comigo, dos depoimentos da parte Depoimentos do fórum esse foi o que mais me chamou a atenção por ter partes muito parecidas com a minha vida.
como explicar um não sentir?