Caro Admin,
Fico grato com suas palavras amigas e, sendo esta a primeira vez que falo abertamente sobre o assunto (não por falta de intenção de falar, mas por falta de ouvintes interessados), esteja certo que iremos conversar bastante, com muito prazer. Prazer maior será vir a conhecer Daniela, Jamily e Simone já que, neste fórum
Admin escreveu: ... as mulheres são a maioria esmagadora entre os assexuais
Concordo plenamente com sua observação clínica de que as mulheres são muito mais erotizadas que os homens. Foi sempre por parte delas que presumi uma certa exigência para que eu tivesse uma sexualidade plena. Meus amigos homens, já adultos, sempre me tratam como um rival no rebanho, por serem incapazes de perceber minha condição impúbere. Já as mulheres me olham com uma curiosidade felina estampada no rosto, parecendo detectar muito bem (e admirar) esta minha heterosexualidade de photoshop. Eu estaria sendo muito entomologista se dissesse que elas detectam a presença ou ausência de feromônios e nós, homens, não?
Mas discordo da sua conclusão de que elas são mais numerosas entre os assexuados. Minhas especulações:
As mulheres são a maioria esmagadora entre os que falam abertamente da própria sexualidade ou da ausência dela. Na sociedade patriarcal (e as matriarcais sempre foram raras e episódicas) em qualquer época ou parte do mundo, os meninos sempre foram proibidos de questionar sua sexualidade: sexo é pra se fazer, não para se falar. Apesar de antigamente ser mais frequente a virgindade em homens, apenas a das mulheres era valorizada. A virgindade ou assexualidade masculina nunca foi bem aceita socialmente, praticamente um tabu.
Hoje virou moda falar de sexo, é algo quase obrigatório (vinculado à a obrigatoriedade de se ser popular). Sexo vende qualquer coisa que for associada a ele. É uma atividade amplamente difundida, conhecida e praticada no mundo inteiro, qualquer que seja a raça, condição social, escolaridade, aparência física, idade... um mercado consumidor amplo e genérico. "Let's Do It, Let's Fall in Love"... e vamos colocar o galã da novela ou a gostosona da Playboy para vender sabão em pó de um jeito sexy. Tomara que a assexualidade também não vire moda, mas que apenas seja discutida com mais naturalidade do que como a sexualidade está sendo discutida hoje em dia.
Antigamente as mulheres sempre falaram sobre sexo entre si, longe dos ouvidos masculinos. Elas sempre se conheceram muito bem, assim como sempre conheceram muito bem seus garotinhos nus e despreparados. Deviam falar muito sobre a assexualidade de uns e outros homens (referida como impotência, indiferença, desinteresse). Mas presumo que jamais tenham falado entre si sobre a própria eventual assexualidade – que antigamente era conhecida como “frigidez” - uma vez que era tabu ainda maior perante ao destino casamenteiro, reprodutor, de receptividade serviçal, calada e conformada reservado pela sociedade à mulher antiga. Se a moça não gosta de sexo, que trate de fingir gostar.
Hoje elas podem falar livremente com o auxílio do anonimato – todos nós podemos. Mas, mesmo com esta facilidade, ainda é muito difícil para o homem falar sobre sexo, uma vez que até pouco tempo isto era “assunto de mulher”. A pressão milenar que foi exercida sobre o macho (e pelo próprio macho, principalmente) para que ele preservasse a cultura machista (viril) ainda pesa sobre nossos membros. Falar de assexualidade, então... nem se fala. As mulheres vêm fazendo reposição hormonal há muitas décadas. Mas apenas há poucos anos foi apresentado o Viagra ao macho de meia-idade, apesar de as duas tecnologias (basicamente hormônios) serem da mesma época.
Talvez nós, homens e mulheres que somos assexuados por uma razão ou outra, diferimos apenas por termos a ousadia de dizer o que todo mundo realmente já sente: que sexo não é isto tudo que a novela das oito nos propaga. As mulheres estão cansadas de saber que diante de uma partida de futebol, um churrasquinho com os amigos ou um cochilo gostoso no sofá, todo homem é meio “brocha”, apenas um molequinho. A batalha contra a assexualidade está apenas começando, neste fórum e em alguns outros. Agora a mulher pode dizer que é frígida por natureza ou opção e defender esta posição. O homem começa a pensar na possibilidade de assumir que “não é de nada” ou que “não está nem aí”. Do outro lado estará a mão invisível do Mercado, arregimentando seus especialistas para afirmar que falta de sexo é prejudicial à saúde e que o sentido da vida é dar uma boa foda regularmente.
Quanto ao romantismo, acho que nada tem a ver com sexo, embora a orientação sexual sirva para canalizá-lo. Eu acho que o romantismo é apenas a gentileza, a delicadeza, a fraternidade, a leveza, o lúdico, a poesia, colocadas sob cabresto para apenas poderem ser manifestadas onde não venham causar transtornos à ordem social. Que coisa mais romântica, inadequada e perigosa não seria enfiar um ramo de flor no cano de um fuzil durante um protesto contra a ditadura? ! O lirismo é tão imprudente e impertinente quanto um menino e este atrevimento, chamado amor, é mais típico dos homens que das mulheres - o que pensa Admin disto? E o que devem pensar disto as mulheres?
Eu tenho um tiquinho de veia poética também - coisa de criança - mas sou autor de apenas uma poesia. Eu a compuz quando me apaixonei pela terceira e última vez. E eu acho que ela expressa muito bem o que eu disse até agora sobre minha experiência:
"Tuas tranças de palha de fogo de novo navalham a esperança de um pouco de mim ser feliz.
E a dança canalha de um jogo de doidos na vala comum lança um corpo que enfim não se quis."
Ela era maravilhosa, toda complicadinha, muito inteligente e culta, muito linda, vinte anos mais nova que eu, que estava já armado dos meus 38. Estudávamos juntos. Eu, apaixonado também por filosofia, me expunha a ela feito um pavão. Ela parecia deliciar-se com aquilo e eu a deliciar-me com a atenção dela. Eu, então, soube canalizei este prazer estranho, de origem abstrata, na visão dos seios dela, que pareciam querer sair da blusa. Começamos um relacionamento esquisito, meio platônico, um tanto desesperado outro tanto aconchegante, mas sem mãos nem bocas. Não durou muito. Se antes eu disse que acho que as mulheres sabem detectar minha verdadeira condição, não posso dizer o mesmo quanto à capacidade delas de absorver este modo bizarro de amar, que não é comum nos machos adultos. Exemplo: uma bela noite ela estava deitada ao meu lado, a princípio para dormir, e eu me interessei pelo ressonar de sua respiração e pelo calor de seu corpo. Brinquei de sincronizar minha respiração e meu calor ao dela, como se fossemos um só corpo. De repente, percebi que ela interrompeu a respiração - provavelmente para confirmar se era real o que aquele maluco estava fazendo - e eu parei junto, perfeitamente sincronizado. Fiquei envergonhado, a "transa tântrica" acabou ali mesmo, virei pro canto e fim. Nossa amizade esfriou totalmente e pouco tempo depois nos distanciamos - ela deve estar em segurança agora (risos).
Eu acho que aquela brincadeira séria e ingênua que fiz para ela e com ela merece o apelido de "erótica" muito mais que se fosse um beijo à francesa por uma hora inteira ou uma das mais complicadas posiçôes do kama sutra. Certamente não foi romântica, como não são românticos nem o kama sutra nem o beijo francês, pois nada mais contrário ao erotismo do que uma técnica bastante ensaiada ou um procedimento já catalogado e aprovado pelos órgãos competentes. Como moleque que sou, acho que que erotismo, devendo ser emocionante, deve ser improvisado - como poesia de repente. Sexo também, para ter graça, precisa ser erótico, nesse sentido. Fora disso, é a mesmice de um filme pornográfico ou a chatice de uma novela romântica. Assim, concordo contigo neste ponto também: erotismo é um processo intelectual-emocional, envolve criatividade e adrenalina. Orgasmo seco, se me entendem.
O prazer da conversa foi meu também, Admin
Meu abraço.