Tenho atualmente 26 anos e sou da área de Lisboa/Sintra. E aviso desde já que vai sair daqui um testamento por isso brace yourselves.
Deparei-me pela primeira vez com o termo "assexual" quando tinha 23 anos, já não sei ao certo como. Talvez tenha sido através deste artigo do Público. Mas lembro-me que acabei por ir parar ao primeiro site de comunidade assexual a existir. Aí deparei-me com artigos (na altura poucos), a wiki com toda a terminologia (que, ultimamente, parece nunca estar a funcionar) e, principalmente, fóruns com milhares de relatos na primeira pessoa. Após ler alguns posts, percebi que havia maioritariamente 3 tipos de pessoas naqueles fóruns: pessoas confusas sobre a sua sexualidade, pessoas (maioritariamente assexuais) a responder a todas as questões e ajudar as outras a encontrarem-se e pessoas hetero/homo/bissexuais que foram parar ao fórum por conhecerem alguém assexual e quererem saber mais sobre o assunto. Durante meses a fio frequentei avidamente os fóruns, troquei ideias com dezenas de pessoas e, sobretudo, aprendi. Aprendi sobre a diversidade do espectro assexual mas, sobretudo, sobre mim mesma.
A descoberta do termo assexual deu-me paz interior. Ajudou-me a aceitar que, por muito que a minha família me ache uma aberração por não andar por aí a fornicar (desculpem o termo) com o primeiro que me aparece à frente, afinal não estava sozinha. Afinal não era a única pessoa à face da Terra a ter mais de 20 anos e ainda ser virgem. Ou a nunca ter tido namorado. Ou a não estar nem aí para o facto de vir ou não a ter. Ou a não estar certa de um dia vir ou não a querer "assentar" e não fazer a menor ideia de querer ou não vir a ter filhos. Nem a não ter remotamente o menor interesse em sexo. Afinal, não estava sozinha.
E, para mim, acho que isso foi o mais importante. Por diversas circunstâncias da vida, passei o final da minha infância, a totalidade da minha adolescência e o início da idade adulta mergulhada numa depressão profunda. Atualmente, já não estou deprimida. Ainda tenho as minhas ocasionais crises em que me sinto mais em baixo, mas nunca mais voltei a sentir o nível de apatia que me fazia quase não me querer mexer, nem a ter pensamentos suicidas ou a sentir que estava tão emocionalmente esgotada e desligada do mundo que não era capaz de sentir empatia ou qualquer outro tipo de emoção. Agora, olhando em retrospetiva, lutar sozinha contra a minha depressão até ganhar, foi um caminho longo, que durou provavelmente cerca de 2 anos, mas que começou naquele dia. A minha habilidade de começar a sarar começou no momento em que percebi que era assexual, que existia uma palavra para descrever quem eu era e o que sentia, que havia outras pessoas como eu, que talvez a minha sexualidade ainda viesse a mudar no futuro e que isso não tinha problema e, acima de tudo, no momento em que comecei a aceitar-me como era e a gostar de mim, a recuperar pouco a pouco a autoestima que família e (falsos) amigos me tinham roubado ao longo da minha existência. Depois disso, praticamente não voltei a pensar mais no facto de ser assexual, de ser "diferente". Exceto quando o tema surge em conversa com alguém por um ou outro motivo. Por isso, a pouco e pouco, fui deixando de frequentar os fóruns.
Sou "assumida" perante família e amigos próximos, mas nem toda a gente aceitou da mesma maneira. A minha avó diz que "isso é normal e toda a gente é assim"; a minha mãe diz que "é só uma fase". Mas a pérola da família tem sido a minha tia. A mesma pessoa que, num almoço de família, ensina a filha, atualmente com 11 anos, que devemos aceitar as pessoas transexuais, porque é "normal" e devemos aceitar as pessoas como são e, em seguida, começa a espicaçar-me com os típicos comentários de "não achas que está na altura de teres namorado?" e outros comentários de caráter profano que não acho certo ela dizer na presença da minha prima e que não vou reproduzir aqui. A minha tia reune-se para falar "em privado" comigo num canto da casa, para eu lhe explicar afinal o que é ser assexual, diz-me o mesmo que a minha avó, que é normal e todas as mulheres são assim e blá blá blá e, nem 5 minutos depois, sai-se com comentários do género "porque não assumes de uma vez que és lésbica?" (note-se, em tom agressivo, como se me quisesse obrigar a faze-lo contra minha vontade) e ignora qualquer explicação de que assexualidade e homossexualidade são coisas distintas, ou a brilhante frase "então porque não te assumes? de certeza que a tua mãe e a tua avó não sabem!" e depois fica literalmente com cara de cú quando a informo que, na verdade, o resto da família já está a par e ela foi a última a saber. De salientar ainda que este tipo de conversas com a minha tia é já recorrente; enquanto a minha mãe e a minha avó praticamente não tocaram no assunto desde que lhes contei, a minha tia faz questão de puxar o assunto de cada vez que nos reunimos, e de todas as vezes quer obrigar-me a assumir ao mundo que sou lésbica. Enfim.
Assexualidade à parte, a minha família voltou novamente à fase do "já tens mais de 25 anos, tens de conhecer alguém antes dos 30 se algum dia quiseres casar e ter filhos". Claro que ignoram completamente o facto de eu ser uma gamer sedentária que prefere passar horas a jogar no PC do que "sair à noite" ou "conhecer pessoas novas". Ou o facto de eu não saber se quero ou não ter filhos (mas estar mais inclinada para o não). Ou o facto de eu ser assexual, virgem aos 26 anos e não fazer a mínima questão de "consumar o casamento". Ou o facto de eu não querer sequer casar de todo, especialmente por igreja, porque considero toda esta treta dos casamentos modernos uma 'fabricação social/palhaçada só igualável ao Natal' em que pessoas se casam 'só porque sim', sem sequer serem crentes em Deus, só porque é bonito casar por igreja e convidar montes de gente e fazer uma grande festa e gastar no vestido e no copo-d'água uma fortuna equivalente, muitas vezes, às poupanças de uma vida. Eu não sou hipócrita. Não sou crente em Deus e, como tal, não quero casar por igreja. Não sei se algum dia quererei casar sequer por registo civil. Mas claro que, para a minha família, nada disso interessa. A única coisa que interessa é que "o tempo está a contar".
E essa é a parte que me assusta. O tempo está efetivamente a contar. E eu sou assexual, mas não sou arromântica, antes pelo contrário; apesar de ter crescido meio maria-rapaz fui-me tornando bastante romântica e lamechas e às vezes até demasiado emotiva com o passar dos anos. Por isso sim, gostava de um dia encontrar um companheiro. Alguém com quem partilhar uma casa e talvez (só talvez) até constituir família. Mas, ao mesmo tempo, não tenho vontade de procurar. Já fui magoada em demasia ao longo da minha vida. Não tenho amigos, nem tive desde a escola primária. Apenas "amigos" que me usaram para as suas necessidades académicas e me deitaram fora quando já não precisavam mais da minha ajuda. Por isso aprendi a não confiar nas pessoas. E uma parte de mim não quer sequer procurar alguém para não sair novamente machucada. Porque cansei de dar às pessoas "só mais uma oportunidade" e ter sempre o mesmo resultado. Por isso vivo numa eterna guerra interna. E vivo com medo. Com medo de que, no futuro, me venha a arrepender das escolhas do presente; de acordar um dia e não ter ninguém com quem partilhar a arte de viver e questionar-me sempre "e se...?". E se eu tivesse saído mais de casa? E se tivesse tentado encontrar alguém? E se tivesse dado só mais uma oportunidade? E se...?
De qualquer forma, isto é um fórum de apresentação, por isso aqui fica alguma informação (extra) sobre mim: agnóstica, amante de animais, ambivertida, assexual heterorromântica, bondosa, brutalmente honesta, conservadora, curiosa, desastrada, equalista, esquecida, excessivamente racional, gamer, gorducha, não fumadora, Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (com crises esporádicas de depressão), sarcástica, sedentária, socialmente estranha, solteira. E provavelmente tantas outras coisas que me esqueci de dizer aqui e que talvez me venha a lembrar e a acrescentar mais tarde.
Para os que conseguirem ler tudo, fica a recompensa:
Última edição por Minakie em 25/11/2017, 15:20, editado 2 vez(es)
Deparei-me pela primeira vez com o termo "assexual" quando tinha 23 anos, já não sei ao certo como. Talvez tenha sido através deste artigo do Público. Mas lembro-me que acabei por ir parar ao primeiro site de comunidade assexual a existir. Aí deparei-me com artigos (na altura poucos), a wiki com toda a terminologia (que, ultimamente, parece nunca estar a funcionar) e, principalmente, fóruns com milhares de relatos na primeira pessoa. Após ler alguns posts, percebi que havia maioritariamente 3 tipos de pessoas naqueles fóruns: pessoas confusas sobre a sua sexualidade, pessoas (maioritariamente assexuais) a responder a todas as questões e ajudar as outras a encontrarem-se e pessoas hetero/homo/bissexuais que foram parar ao fórum por conhecerem alguém assexual e quererem saber mais sobre o assunto. Durante meses a fio frequentei avidamente os fóruns, troquei ideias com dezenas de pessoas e, sobretudo, aprendi. Aprendi sobre a diversidade do espectro assexual mas, sobretudo, sobre mim mesma.
A descoberta do termo assexual deu-me paz interior. Ajudou-me a aceitar que, por muito que a minha família me ache uma aberração por não andar por aí a fornicar (desculpem o termo) com o primeiro que me aparece à frente, afinal não estava sozinha. Afinal não era a única pessoa à face da Terra a ter mais de 20 anos e ainda ser virgem. Ou a nunca ter tido namorado. Ou a não estar nem aí para o facto de vir ou não a ter. Ou a não estar certa de um dia vir ou não a querer "assentar" e não fazer a menor ideia de querer ou não vir a ter filhos. Nem a não ter remotamente o menor interesse em sexo. Afinal, não estava sozinha.
E, para mim, acho que isso foi o mais importante. Por diversas circunstâncias da vida, passei o final da minha infância, a totalidade da minha adolescência e o início da idade adulta mergulhada numa depressão profunda. Atualmente, já não estou deprimida. Ainda tenho as minhas ocasionais crises em que me sinto mais em baixo, mas nunca mais voltei a sentir o nível de apatia que me fazia quase não me querer mexer, nem a ter pensamentos suicidas ou a sentir que estava tão emocionalmente esgotada e desligada do mundo que não era capaz de sentir empatia ou qualquer outro tipo de emoção. Agora, olhando em retrospetiva, lutar sozinha contra a minha depressão até ganhar, foi um caminho longo, que durou provavelmente cerca de 2 anos, mas que começou naquele dia. A minha habilidade de começar a sarar começou no momento em que percebi que era assexual, que existia uma palavra para descrever quem eu era e o que sentia, que havia outras pessoas como eu, que talvez a minha sexualidade ainda viesse a mudar no futuro e que isso não tinha problema e, acima de tudo, no momento em que comecei a aceitar-me como era e a gostar de mim, a recuperar pouco a pouco a autoestima que família e (falsos) amigos me tinham roubado ao longo da minha existência. Depois disso, praticamente não voltei a pensar mais no facto de ser assexual, de ser "diferente". Exceto quando o tema surge em conversa com alguém por um ou outro motivo. Por isso, a pouco e pouco, fui deixando de frequentar os fóruns.
Sou "assumida" perante família e amigos próximos, mas nem toda a gente aceitou da mesma maneira. A minha avó diz que "isso é normal e toda a gente é assim"; a minha mãe diz que "é só uma fase". Mas a pérola da família tem sido a minha tia. A mesma pessoa que, num almoço de família, ensina a filha, atualmente com 11 anos, que devemos aceitar as pessoas transexuais, porque é "normal" e devemos aceitar as pessoas como são e, em seguida, começa a espicaçar-me com os típicos comentários de "não achas que está na altura de teres namorado?" e outros comentários de caráter profano que não acho certo ela dizer na presença da minha prima e que não vou reproduzir aqui. A minha tia reune-se para falar "em privado" comigo num canto da casa, para eu lhe explicar afinal o que é ser assexual, diz-me o mesmo que a minha avó, que é normal e todas as mulheres são assim e blá blá blá e, nem 5 minutos depois, sai-se com comentários do género "porque não assumes de uma vez que és lésbica?" (note-se, em tom agressivo, como se me quisesse obrigar a faze-lo contra minha vontade) e ignora qualquer explicação de que assexualidade e homossexualidade são coisas distintas, ou a brilhante frase "então porque não te assumes? de certeza que a tua mãe e a tua avó não sabem!" e depois fica literalmente com cara de cú quando a informo que, na verdade, o resto da família já está a par e ela foi a última a saber. De salientar ainda que este tipo de conversas com a minha tia é já recorrente; enquanto a minha mãe e a minha avó praticamente não tocaram no assunto desde que lhes contei, a minha tia faz questão de puxar o assunto de cada vez que nos reunimos, e de todas as vezes quer obrigar-me a assumir ao mundo que sou lésbica. Enfim.
Assexualidade à parte, a minha família voltou novamente à fase do "já tens mais de 25 anos, tens de conhecer alguém antes dos 30 se algum dia quiseres casar e ter filhos". Claro que ignoram completamente o facto de eu ser uma gamer sedentária que prefere passar horas a jogar no PC do que "sair à noite" ou "conhecer pessoas novas". Ou o facto de eu não saber se quero ou não ter filhos (mas estar mais inclinada para o não). Ou o facto de eu ser assexual, virgem aos 26 anos e não fazer a mínima questão de "consumar o casamento". Ou o facto de eu não querer sequer casar de todo, especialmente por igreja, porque considero toda esta treta dos casamentos modernos uma 'fabricação social/palhaçada só igualável ao Natal' em que pessoas se casam 'só porque sim', sem sequer serem crentes em Deus, só porque é bonito casar por igreja e convidar montes de gente e fazer uma grande festa e gastar no vestido e no copo-d'água uma fortuna equivalente, muitas vezes, às poupanças de uma vida. Eu não sou hipócrita. Não sou crente em Deus e, como tal, não quero casar por igreja. Não sei se algum dia quererei casar sequer por registo civil. Mas claro que, para a minha família, nada disso interessa. A única coisa que interessa é que "o tempo está a contar".
E essa é a parte que me assusta. O tempo está efetivamente a contar. E eu sou assexual, mas não sou arromântica, antes pelo contrário; apesar de ter crescido meio maria-rapaz fui-me tornando bastante romântica e lamechas e às vezes até demasiado emotiva com o passar dos anos. Por isso sim, gostava de um dia encontrar um companheiro. Alguém com quem partilhar uma casa e talvez (só talvez) até constituir família. Mas, ao mesmo tempo, não tenho vontade de procurar. Já fui magoada em demasia ao longo da minha vida. Não tenho amigos, nem tive desde a escola primária. Apenas "amigos" que me usaram para as suas necessidades académicas e me deitaram fora quando já não precisavam mais da minha ajuda. Por isso aprendi a não confiar nas pessoas. E uma parte de mim não quer sequer procurar alguém para não sair novamente machucada. Porque cansei de dar às pessoas "só mais uma oportunidade" e ter sempre o mesmo resultado. Por isso vivo numa eterna guerra interna. E vivo com medo. Com medo de que, no futuro, me venha a arrepender das escolhas do presente; de acordar um dia e não ter ninguém com quem partilhar a arte de viver e questionar-me sempre "e se...?". E se eu tivesse saído mais de casa? E se tivesse tentado encontrar alguém? E se tivesse dado só mais uma oportunidade? E se...?
De qualquer forma, isto é um fórum de apresentação, por isso aqui fica alguma informação (extra) sobre mim: agnóstica, amante de animais, ambivertida, assexual heterorromântica, bondosa, brutalmente honesta, conservadora, curiosa, desastrada, equalista, esquecida, excessivamente racional, gamer, gorducha, não fumadora, Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (com crises esporádicas de depressão), sarcástica, sedentária, socialmente estranha, solteira. E provavelmente tantas outras coisas que me esqueci de dizer aqui e que talvez me venha a lembrar e a acrescentar mais tarde.
Para os que conseguirem ler tudo, fica a recompensa:
Última edição por Minakie em 25/11/2017, 15:20, editado 2 vez(es)